Foi com imensa satisfação que recebi de vários colegas a notícia sobre o tema da redação da UFRGS em 2023 – “O apagamento das mulheres na história e o direito à memória” – primeiro pelo fato de sempre ficar feliz por ser lembrada em temas que me são tão importantes e segundo pela oportunidade de trazermos à tona assunto de tanta relevância social.

Vejam bem:

No século XVIII Rousseau (1995) – em texto publicado originalmente em 1762 – reforçava a desigualdade entre mulheres e homens argumentando que tal existia como determinação da natureza humana, já que na comparação entre os atributos masculinos (força, audácia, ataque) e os femininos (passividade, timidez, vergonha), podia-se perceber que pertencia às mulheres o espaço privado e aos homens o público, uma vez que timidez e vergonha não são atributos adequados para alguém que pretende assumir o espaço não doméstico. Assim, as mulheres eram condenadas ao lar e aos deveres domésticos por uma suposta natureza que as haviam determinado daquela forma: “[…] o domínio das mulheres não lhes cabe porque os homens o quiseram, mas porque assim o quer a natureza […]” (ROUSSEAU, 1995, p. 427), ou seja, a “natureza” feminina deveria ser constantemente controlada (TARDIN, BARBOSA E LEAL, 2015), reforçando que seu espaço é dentro das casas, organizando e delimitando seu ambiente de convívio social.

Não é à toa que Michelle Perrot, em seu livro “As mulheres ou os silêncios da história” ensina que a vivência das mulheres, em termos de espaço de poder, demonstra que a tomada dessas áreas ainda é um campo minado pela dominação masculina e espaço mal explorado pelas próprias mulheres. A relação entre as mulheres e o poder não é simples, óbvia e naturalizada, ela é tensa, indevida, herética e quando elas conquistam o poder é como se estivesse invadindo uma praia inóspita, onde não deveriam pisar.

Assimilar esta questão implica olhar uma história de esquecimento visto que, como bem refere Perrot (2005), quando a narrativa humana é contada pouco há de referência feminina, privilegiando-se as ocorrências públicas, importante domínio de poder: “Para nós, isso significa que a história dita das mulheres apenas encontra todo o seu sentido na análise, na desconstrução da diferença entre os sexos, na relação com o outro sexo. ” (PERROT, 2005, p. 467). Ou seja, sempre em contraposição à história dita dos homens, sem ser da história das mulheres dada a partida ou ancoramento.

Para Beard (2018), o distanciamento existente entre a ocupação de espaços públicos e privados entre homens e mulheres dificulta a efetivação da igualdade, pois não é fácil inserir as mulheres em uma estrutura social que já está codificada como masculina e que ainda é considerada inóspita para elas que, como consequência, experimentam uma leitura com tendencioso viés questionador quando exercem, ou tentam exercer, o poder atualmente conhecido e aplicável na sociedade.

Ou seja, para a mulher a ocupação de espaços públicos geralmente é acompanhada por questionamentos sobre sua capacidade de adequação. 

Portanto, para que seja construída a história completa há necessidade de que as mulheres sejam olhadas e consideradas como entes importantes na narrativa da humanidade. Será necessário abrir os segredos dos sótãos, os arquivos privados, os livros (não) escritos. Sendo fundamental que o olhar para a vida contemporânea seja como um tempo de muitas alucinações e engodos, construções sociais que estabelecem o certo e errado, o bom e o mal e sequer permite que se pense: quando se confrontam mulheres com poder, é realmente o poder atual que as mulheres desejam para elas mesmas, enquanto se chamarem de mulheres?

REFERÊNCIA:

BEARD, Mary. Mulheres e poder: um manifesto. 1. ed. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. 1. ed. São Paulo: Edusc, 2005.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. Originalmente publicado em 1762.

TARDIN, Elaine Borges; BARBOSA, Murilo Tebaldi, LEAL; Polliana da Costa Alberone. Mulher, trabalho e a conquista do espaço público: Reflexões sobre a evolução feminina no Brasil. Revista Transformar. 7 ed. 2015.

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